Neste artigo, apresento uma interpretação do poema “A música”, de Luiza Figueiredo. Tive a oportunidade de ter contato com esse poema há algum tempo, mas ainda não tinha feito nenhuma reflexão sobre o mesmo. Assim, espero que gostem dos meus apontamentos aqui feitos. Não vou questionar pontuação ou qualquer tipo de recurso estilístico utilizado pela autora. A licença poética permite que os autores escrevam da maneira que melhor convier para expressar sua intenção, isso aqui não é uma redação de vestibular
A música
Olha que desfecho,
Um dia eu te deixo.
É esse amor que não acaba jamais,
Só que voltar, nunca mais.
Você sabe que te amo,
Eu sei que você me ama.
Mas quando te chamo,
Você me deixa na lama.
Eu te dou valor,
Porém você não.
Me diz o que tenho que fazer,
Disso tenho que saber.
Para ganhar seu coração.
Eu te conheço,
Tu não.
Mas isso não muda meu amor por você.
Disso você não conhece.
Você não conhece sobre o meu amor por ti,
Isso eu não esqueci.
Eu não me esqueci de você.
Você,
Música.
A música – Interpretação
Esse poema não segue uma divisão tradicional das estrofes. O sistema de rimas segue o padrão de rimas emparelhado (AABB), na primeira estrofe, depois segue o padrão alternado (ABAB), na segunda estrofe; a terceira e a quarta estrofes seguem um padrão de rimas diferenciado. Na terceira estrofe, o primeiro verso pode ser considerado branco ou solto, pois a palavra “valor” não rima com nenhuma outra da estrofe inteira, na verdade, nenhuma outra palavra rima dentro dessa estrofe. Essa terceira estrofe é predominantemente interpolada, ou seja, segue o padrão ABBA. A quarta e última estrofe não tem rimas definidas, pode ser considerada uma estrofe de rimas misturadas ou mistas. O tamanho dos versos é irregular e a melodia que havia nas estrofes anteriores se esvai.
Primeira estrofe
Como já disse, essa estrofe segue o padrão AABB. Aqui temos a rima de “desfecho” com “deixo”, um substantivo e um verbo, uma rima rica, podemos assim dizer. A autora parece estar surpresa pelo que há de vir, separar-se de seu amor. Ainda que ela tenha a certeza de nunca deixar de amar, ela sabe que não há mais volta. Essa estrofe não indica com clareza quem é o alvo de tamanho amor.
Segunda estrofe
Aqui vemos que essa relação não parece ser benéfica para a autora, pois ela se queixa da indiferença com que é tratada por seu amor. Existe ainda algo entre ambos, mas não há cumplicidade. Mesmo amando-a, o indivíduo não se importa de deixar sua amada “na lama”. Esse relacionamento tóxico tem que acabar, como já predito na estrofe anterior. Novamente uma rima rica entre “ama” e “lama”.
Terceira estrofe
Na terceira estrofe, a autora parece estar consciente das desventuras e da dificuldade de manter esse amor. Ela não sabe o que fazer para manter essa pessoa por perto e tenta reatar o que parece estar se desintegrando à sua frente. No trecho “Eu te dou valor,/ Porém você não.”, fica claro o desprezo de que nossa protagonista é alvo. Essa estrofe não condiz com a primeira, uma vez que o poema indica a certeza da separação, mas ainda assim ela não deseja separar-se. Mais uma rima rica, “não” e “coração”. Destaque para a elipse do segundo verso.
Quarta estrofe
Nessa última estrofe, o tom melancólico aumenta e vemos que a figura amada é indiferente ao amor sentido pela protagonista. Mais uma elipse marcando essa indiferença (“Eu te conheço,/ Tu não.”), no mesmo ponto da estrofe. Vemos novamente a autora com vontade de superar essa indiferença e continuar esse amor. Há dois pronomes que parecem tratar do mesmo referente, mas não. Os versos em questão são: “Mas isso não muda meu amor por você.” e “Disso você não conhece”. O primeiro pronome faz menção aos dois primeiros versos dessa estrofe (“Eu te conheço,/ Tu não”), já o segundo pronome – “disso” – faz referência ao verso imediatamente seguinte (“Você não conhece sobre o meu amor por ti”). Finalmente tomamos conhecimento de quem é essa “pessoa” tão ruim que trata a autora tão mal, a Música.
E agora?
Agora, de posse dessa informação importante, podemos concluir que não há como esse amor ser correspondido. Todo esse sofrimento é provocado por uma expectativa que nunca poderá ser correspondida. A Música, como qualquer outra manifestação artística, é alheia àqueles que a admiram. A Música é, e sendo, não se atém aos desejos ou esperanças de outrem. Há um grupo musical chamado “Música Surda”, sendo este adjetivo perfeitamente apropriado para o objeto em questão. Se o objeto de desejo da autora fosse uma pessoa, poderíamos dizer que esta deveria tentar compreender melhor a relação e “melhorar”, pelo menos.
Sabedora de que não existe possibilidade alguma de ser correspondida, a autora já deixa claro que não há condições de manter esse relacionamento, o término é inevitável. Terminando de ler o poema inteiro, o retorno à primeira estrofe é inevitável.
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